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Publicado: Terça, 12 Novembro 2013 05:24
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O jazz, muito além de apreciações musicais oferece infindáveis variantes analíticas, resultantes da diversidade de correntes e motivações que o caracterizam. Conhecê-lo significa descortinar nuances imperceptíveis aos não-iniciados nas entrelinhas do universo artístico alçado a prestigioso campo de estudos sociais. Harmonias e arranjos sofisticados, dois de seus pilares, transparecem envolvente ilusão de espontaneidade, paradoxalmente derivada de inesgotável dedicação de instrumentistas e intérpretes aos respectivos ofícios.
Rememorando assembleia recente da Divina Turma, ocorreu-me a constatação de aproximar-se uma década das reuniões mensais no CMPV. Matuto a que atribuir o inquestionável êxito de tais reencontros fraternos, desprovidos de organização sistemática, propaganda maciça ou convocações apelativas. O que motiva garotos sessentões a subestimarem afazeres diversos, talvez afrontando cobranças domésticas, para gargalharem com velhas histórias que preservam o viço do riso arquetípico? Por que a tradicional concentração festiva da TuMMM no Portal Mágico consolidou-se como ancoradouro confiável para integrantes de Turmas coirmãs, logo cordialmente acolhidos? Suponho que recorrendo a determinados aspectos da saga jazzística desvendemos esclarecimentos a estas e outras indagações.
A improvisação, dogma visceral do jazz, envolve riscos associados a possibilidades de gratas realizações. Quem não arrisca não petisca, consagra o dito popular, embora seja desejável possuir boa dose de competência para se arriscar. O genial Charlie Parker, que elevou o saxofone alto a culminâncias inimagináveis, na adolescência pagou caro ao tentar encarar os bambas de Kansas City em jam sessions improvisadas, marcadas por desafios individuais às vezes varando horas seguidas em gélidas madrugadas. Na verdade, o futuro legendário Yardbird ainda não dominava o instrumento a ponto de desprezar a pauta diante de competidores tarimbados, obrigando-o a se isolar para ensaios exaustivos que a partir de então o levariam a uma trajetória estelar.
No mencionado encontro deste mês pipocaram renovados elogios, insuspeitos, à persistência bem-sucedida das reuniões após tantos anos realizadas. Oriundos de excelentíssimo representante de Turma distinta, na MMM/RJ de imediato incorporado aos bate-papos e brincadeiras correntes, ratificaram tese há tempos por mim esposada - a de que o segredo do sucesso de início consiste na aparente improvisação cultivada pelo líder inconteste do Portal, o dileto Pres Pimpa. Aliás, pelo porte elegante e estilo pessoal facilmente comparável ao imortal Duke Ellington, outro gigante do jazz inexcedível na arte de bem improvisar.
Edward Duke Ellington personificou o modelo acabado da liderança persuasiva e sutil. Chefe de orquestra emérito, compositor brilhante, pianista dotado de talento invulgar, gostava de contratar os melhores solistas do cenário jazzístico. De personalidade gentil, mas enigmática, administrava com insuperável maestria as vaidades e problemas de relacionamento pessoal surgidos entre as primas-donas de suas formações orquestrais, conseguindo extrair o máximo das competências subjetivas em proveito do desempenho coletivo. Instigava os subordinados a exibirem o melhor de cada um deles, dando liberdade a que extrapolassem os limites de suas potencialidades. Incentivando-os, inspirava-os a se superarem. Basta dizer que embora já compositor consagrado de clássicos memoráveis, a canção de abertura dos seus shows - Take the A-Train – era de autoria nada mais nada menos do que do seu subchefe, o igualmente genial pianista Billy Strayhorn, a quem a história tem reservado papel destacado na cena musical do século XX. Salve Duke, grande e generoso líder.
Mutatis mutandis, vejo se manifestar nas tertúlias da Nação72/RJ o espírito dominante nos grupos de Duke Ellington. Ou alguém duvida do irresistível atrativo existencial das tardes-noites das primeiras sextas-feiras na Urca? Confrades já me confidenciaram dispensar viagens programadas para o saboreio dos doces momentos de convivência no CMPV. Admitem até enfrentar o pesado ônus de retaliações familiares a se absterem de ouvir as fantasias hilário-histriônicas do PHD Patinho, o realismo fantástico das digressões acadêmicas do Falador Bocão, ou os doutos embates dos nossos estimados juristas. Episódios assim e muito mais são gerenciados com sutileza tijucana pelo ilustre Pimpim, que quando a desordem está prestes a descambar para a esculhambação ilimitada dá leve toque - tipo estatuto de gafieira/o ambiente merece respeito - e amaina a zorra total.
Personagens à parte, o xis da questão é o seguinte: sem a coordenação suave do Pimpim talvez as reuniões já fizessem parte do passado ou se igualariam às da maioria das Turmas. O diferencial em relação às demais é que nada se força ou se impõe. Comparecendo quem quiser, quando puder e do jeito que lhe aprouver, sem dúvida será recebido de braços e corações abertos por velhos camaradas sequiosos pela convivência amigável de irmãos castrenses. Sob a batuta do bandleader Pimpa, cada solista da orquestra MMM terá direito a momentos intermináveis de improviso, a exemplo dos sax-maratonistas de Kansas City.
Sábado próximo, dia 16, engalana-se o feudo cajuti e arredores pelo aniversário do nosso CEO. Acessando mensagem enviada nesta semana pelo Meirelles, agraciou-me o clarão do insight ao observar a foto meio sorridente do Pimpim, a lá Humphrey Bogart, eliminando incerteza ainda porventura pendente. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, a juventude explícita do brother artilheiro definitivamente esclarece o motivo do sucesso prolongado das reuniões no CMPV, extensão natural da personalidade jovial do seu idealizador e principal fiador.
Tal qual o Poeta sonhou, o Duque cajuti remoça a cada ano. Tal qual o eterno Duque do jazz, ele se mantém no topo da onda radical e não se desgarra da prancha.
Longa vida ao Duque da Avenida Paula Sousa. Salve o aniversário do Pimpim.
Rio, 09 de novembro de 2013
Dom Obá III, em improviso jazzístico de abertura do Festival Natalício Pimpim.{jcomments on}
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Publicado: Sábado, 02 Novembro 2013 07:32
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Assisti a algumas imagens do velório de um companheiro de turma e de sacanagem, quando alguns colegas deram seus depoimentos.
Parecia que a qualquer momento iria estourar alguma piada. Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena.
Mas nada acontecia ali de risível. Era só dor e perplexidade, que é mesmo o que ela causa em todos os que ficam.
A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si sói, é uma piada pronta, morrer é ridículo.
Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre.
Como assim!!!!?????? PORRA!
E os Emails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?
Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer. A troco? Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas na Prep, ou no CM, que não serviriam para nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente.
Praticou muita educação física, equitação. Quase perdeu o fôlego, mas não desistiu.
Passou madrugadas estudando na sala de Biologia sem dormir, para ir para a Academia, mesmo sem ter a certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então foi mais uma vez em frente...
Após mais de trinta anos de caserna, de uma hora para outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinqüente que gostou do seu carro.
Qual é? Morrer é um chiste. Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez a sua música preferida.
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.
Logo você que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu. Que pegadinha macabra. Você sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue à próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã.
Faz-se check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos, como diz o Arataquinha, vai lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas, ok hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa, não se faz, morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas, morrer é um exagero. E, como sabe, o exagero é a matéria prima das piadas, só que esta não tem graça.
Por isso viva tudo que há para viver, não se apegue às coisas pequenas e inúteis da vida...
Perdoe sempre. Curta enquanto pode, pois a vida é bela e deve ser vivida do seu jeito!!!!!!!!!!!!!!!!
Aos companheiros que se foram e aos que irão antes dos cem, nos aguardem.!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
cOBRA - Turma MMM 72{jcomments on}