UMA RAZÃO DE VIVER
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- Publicado: Terça, 18 Setembro 2012 06:26
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Capitão, servindo no Andrade Neves, eu comandava o 3º Esquadrão de Fuzileiros, ao qual se subordinava o departamento de pólo do Regimento. À época, final dos setenta, início dos oitenta, o esporte apresentava expressivo número de praticantes no EB, incluindo ilustres oficiais-generais da ativa em serviço na guarnição do Rio de Janeiro, craques consagrados entre eles que invariavelmente participavam de concorridas peladas a competições oficiais importantes.
Subdiretor do Campo de Instrução de Gericinó, o então tenente-coronel Maranhão, exímio polista, semanalmente organizava a realização das partidas na Vila Militar, alternando-a nos campos do CIG e do RAN, cabendo-lhe convocar jogadores, escalar juízes e demais pormenores da coordenação informal. Cultor entusiasta da prática equestre, estimulava o comparecimento, intimava os hesitantes e provocava sentimento de indizível remorso nos eventuais faltosos proclamando inapelável assertiva - “perder um jogo de pólo é abdicar de prazer insubstituível, sem compensação nem em mil anos de vida” - rico ensinamento que estendi à compreensão de consistir a sabedoria do bem viver na curtição continuada de pequenas distrações, às quais nem sempre atribuímos a devida importância.
Sexta-feira, quatorze de setembro, chegando ao CMPV já nos estertores da reunião da Turma acorreu-me a lembrança do inesquecível axioma do ínclito chefe cavalariano. Na verdade, ao adentrar às pressas o histórico mezanino superior do Círculo, ainda pude desfrutar durante mais de uma hora do convívio prazeroso do Lobo e do Machado, este representante bissexto da Turma do Axé muito bem recepcionado nos pagos da Praia Vermelha. De início, implorei ao célebre homem das leis do Moneró imortalizar o meu comparecimento tardio nas lentes da sua moderna Rolleyflex celular, tentativa desesperada de atenuar o pecado mortal do forfait nas etapas principais da gloriosa efeméride deste mês e de justificar-me perante a supervisão severa do eminente Pinpin, pois bem testemunho o rigor da sua ação de comando sobre os confrades da Nação72/RJ. Satisfeito o pleito, em seguida passam os a atualizar amenidades afetivas, pois há anos não encontrava o nobre infante, mineiro radicado na urbe soteropolitana.
Soube da mudança de bairro do Mário Augusto, da iminente transferência de cidade do Tiziu, de notícias outras de amigos comuns da Boa Terra e alhures há muito distanciados. Também descobri existir vôo direto Salvador- Resende, via São Paulo; que o teste final de apreciada sabatina na TV será soletrar “DESESPERADO”, sendo a resposta vencedora “ F-L-A-M-E-N-G-O”, tudo culminando com a derrapagem do Machadão nas curvas surreais, ao levemente insinuar sua imperscrutável ascendência nórdica, caroneando tortuosa tese genealógica do confrade Wollotan von Freiburg, em agradáveis momentos finalizados pouco antes das dezoito horas. Embora a enorme satisfação do reencontro e de fato ter comparecido à reunião, bastante atrasado que o tenha sido, persistia em mim inegável sentimento de culpa pela ausência ao epicentro do even to comunitário da TuMMM. E pus-me a indagar, buscando aliviar o desconforto arrasador a me consumir.
Foi grande a frequência? Sim, responderam em uníssono; o Bac e o Frisch vieram? Claro, confirmaram de bate-pronto; e o Boita, o Mafú, o Patinho, o KbçA, o Wollotan, o Motinha, o Piranha e o Cobra? OK, duraram na ação, asseguraram; e o visitante Alcântara? Surgiu en passant, disseram; e o brother Pinpin? Afirmativo, até ligou cobrando a tua presença, afiançaram; a cada resposta desanimadora dos circunstantes aumentava o martírio, célere às bordas do crime inafiançável. Exangue, decidi contra-atacar: o Arataca, veio? Não, asseverou o Lobo da dressage, estava numa conferência de trabalho; ops, pensei, afinal oportuna colaboração messiânica do Barão de Vargem Grande para atenuar meu sofrimento. Reconfortado, empreguei a reserva: e o Boca, apa receu? Negativo, declarou o dileto Dr Quincas Barbosa do Moneró, mandou o sargento-adjunto da Faladoria ligar para sondar o efetivo presente e escafedeu-se dos radares telefônicos; aleluia, vibrei, era o bode expiatório perfeito para desonerar-me da traumática impontualidade obscena. Neste ponto, caros leitores, escancaro atitude deplorável incapaz de ilustrar a biografia de um homem de bem, pois malgrado restritos ao córtex cerebral passei a desferir terríveis vitupérios ao Boca incógnito, no afã malsão de transferir-lhe toneladas de remorso próprio pelo atraso ao convescote imperdível. Perdão, estimado Bocão, saiba ser credor de tremenda dívida moral deste biltre, a ser resgatada brevemente.
Explica mas não justifica, dirão. E com razão. Tive um dia atribulado, saindo direto do trabalho, no Posto Seis, para a missa comemorativa de aniversário da Irmandade da Santa Cruz dos Militares, no Centro, seguida de almoço festivo encerrado lá pelas quinze horas; alguns encargos familiares resolvidos, desembarquei na Urca já ultrapassadas as quatro da tarde, não sem antes receber ligação interrompida do Pinpin enquanto estacionava na avenida Portugal. Entre indeciso, otimista e aflito, pouco antes das dezessete decidi rumar ao CMPV na expectativa de esbarrar em remanescentes da confraternização, àquela hora via de regra o NB da Seção/RJ da Turma: ao rever o Lobo e o Machado tive a consciência parcialmente tranquilizada.
Em Manhattan, o filme, o personagem-alterego de Woody Allen, Isaac Davis, atormentado pela deprê liga o gravador e enfileira as pessoas e coisas que fazem a vida valer a pena ser vivida: Groucho Marx, a gravação original de Potato’s Head Blues com Louis Armstrong e os Hot Five, em 1926, Brando, Sinatra, Educação Sentimental, de Flaubert, as maçãs e peras de Cezanne, o Segundo Movimento da Sinfonia Júpiter, filmes suecos, o jogador de beisebol Willie Mays, os caranguejos de Sam Wo’s e o rosto da namorada Tracy. Foi o suficiente para livrá-lo da brabeira psicológicaem que se afundava.
Sem dúvida cada ser humano dispõe de suas próprias razões de viver, que nas tormentas existenciais ou meras frustrações momentâneas permitem vislumbrar o porto seguro da salvação, simbolizado naquilo realmente digno de nos emocionar e tornar prazerosa a existência terrena. Sejam a paixão incontida ao pólo do coronel Maranhão, os gostos sofisticados do genial cineasta americano ou as reles predileções pessoais deste bookmaker subliterário, há dias renascido no eldorado da autêntica razão de viver dos animados seminários da Nação72, no CMPV.
Hoje, abrindo mensagens recebidas, numa delas o KbçA antecipa logo expor a cobertura fotográfica da sexta- feira última. Embora a projetada catarse destas palavras, diga-se enganosa, luto debalde contra a frustrante sensação da perda quase absoluta de uma tarde da Turma no portal mágico do Círculo; assim, melhor não ver as fotos, preservando-me até a reunião vindoura. Sinceras desculpas aos insignes confrades, na pessoa do excelentíssimo presidente vitalício S. Pinto, o notável brother Pinpin.
CMPV Fields. Forever!!!
Rio, 17 de setembro de 2012
Dom Obá III, macambúzio, sofrido e meditabundo. Do Alto Turano, em retiro espiritual.{jcomments on}