NOSSA VIDA DE CADETE - Saint-Clair

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 No fim dos anos sessenta na AMAN chegamos ressabiados

 Deslumbrados com tanta beleza, mas também encagaçados

 Extasiados com o luxo de mármore que nos foi apresentado

 E receosos com os tais trotes que tanto nos foi avisado

 Começamos logo fazendo a famosa “marcha do saco”

Do parque à ala no pulo de galo o que já me deu lumbago

 Vindo do meio civil e sem ter uma grande preparação

 Doía-me todo o corpo, da primeira fibra ao último tendão

 O período de adaptação foi um pesadelo que não terminava

 E a cada dia que se passava uma meia dúzia aloprava – e vazava

 Os “frangos” não refrescavam, era um concurso escroto

Para ver quem mais alto berrava nos lançando perdigoto

 Os tenentes falavam “mata” e os capitães “esfola”

 Uns pisavam em nossas cabeças outros nos chutavam as bolas

 Era uma turma de tenentes pra ninguém botar defeito

 Nos sugavam sem ter pena até nos estourar o peito

Seixas Marques, Carvalho Lopes, Araújo, Consentino

 E de quebra Almeida e Silva, Sá Rocha e Cupertino

 Ah! E nossos capitães? De tudo, isso era o mais divino

 Mário “mico”, “Cheira-Bosta”, “Orangofrango” e “Patolino”

 Eram oficiais exigentes, mas que ficaram em nossa memória

 Como militares de escol, que davam exemplos de glória

 No ensino universitário também tínhamos nossos algozes

 Buzato, Guerra e Moutinho eram as figuras mais ferozes

 Pra ter boa média em física um era um negócio dantesco

 Havia necessidade de com Isaac Newton ter parentesco

 No laboratório de física era muito pior a confusão

 Pra gravar as experiências babacas tinha-se que ter culhão

 Em nossas aulas de química de depois do almoço – que torpor

 O baixinho velho Bahiense nos fazia no piso marchar – que horror

E assim seguia a vida dos todos nós, bichos abnegados

 Sempre com certo mau cheiro, pois estávamos sempre “mijados”

 E quando vinha a SIEsp aí que o jangal era de muito mais trabalho

 Todos nós entrando com nossos cus numa festa só de caralho

Era fome, sede, frio, todo sofrimento era pouco

 Tinha cara que surtava e ficava muito louco

 Plano inclinado, “matéria-prima de lama, banho gelado de madrugada

 Era só pica grossa voando e a gente sem direito a nada

 Na ala também não tínhamos um momento de descontração

 Bastava acabar a revista e os veteranos invadiam de roldão

 Os “banhespes” da Intendência eram um negócio danado

 Mas pior era ir pras Com para ser eletrocutado

 Finalmente chega o Espadim, que julgávamos ser nossa alforria

 Que nada, logo descobrimos serem os mesmos nossos dias

 Mas havia a diversão com os nossos fiéis companheiros

 Que faziam o tempo passar com seu humor – fino ou grosseiro

 Logo no primeiro toque do clarim em nossas alvoradas

 Escutávamos o barulho da mesa sendo marretada

 Era nosso parceiro Guerreiro com sua “bengala” avantajada

 Usando-o como porrete na mesa e gritando: “acorda, putada!!!”

 Oh, que época abençoada que lembro e bate a emoção

 Cada um de nós na alvorada acordava com uma forte ereção!

 Lembro o notório “Boitatá” gaúcho de Passo Fundo

 Que depois das “Sete Famílias” gostava de ficar imundo

“Esse negócio de banho é coisa de mariquinha”, ele falava

 E quando abria seu armário um odor de cadáver exalava

 Nas poucas horas livres praticávamos atividades culturais

 Como os nomes de personagens em quadrinhos ver quem sabia mais

 Eu derrotando a todos e da vitória estava quase certo

 Mas, perdi a grande final para o meu amigo Bueno Neto

 Mas o esporte preferido de todos – vamos abandonar o cinismo

 Era sempre o mais solitário – chamado na medicina de onanismo

 Se na AMAN a punheta fizesse barulho, apitasse ou algo assim

 Certamente que tal som seria ouvido até em Pequim

 Eu, pelo menos, confesso: se ganhasse 10 reais por cada uma que fiz (em mim, esclareço)

 Certamente que eu teria hoje um bom apartamento em Paris

 Quem diz que nunca na AMAN “descabelou o palhaço”

 É porque não tem coragem de assumir – é o que acho

 Ou então não era chegado numa vulva bem molhada

 E acabou sendo desligado porque era bainha de espada

 Eu e Baciuk esperávamos o “MacaMendes” pegar a playboy

 Escondida toscamente dentro da revista de cowboy

 E ao banheiro se dirigir para a sua bronha tocar

 Enchíamos o capacete e íamos lhe banhar

 Depois era sebo nas canelas porque o Mendes enlouquecia

 Queria matar alguém – gritando: “isso é putaria!”

 A alternativa era para o tal de bambuzinho ir

 E depois rezar bastante para o pau não cair

 Melhor era o Novacap, puteiro de luxo em Volta Redonda

 No entanto custava caro pra se tirar essa onda

 As mulheres eram legais e até tinham cheirinho bom

 Chegava-se e comprava-se logo a ficha – era de bom tom

 Certa feita em Novacap vi uma coisa hilária demais –vou contar

 Havia ido com o Martinelli, que tinha a “ferramenta” espetacular

 Quando de sunga aparecia a sua silhueta frontal – que pecado

 Achavam que um rolo de papel higiênico ele havia guardado

 Pois bem, lá em Novacap ele comprou ficha e escolheu

 Uma morena bem linda e no quarto se recolheu

Não passaram nem 5 minutos e a moça saiu gritando

 “Essa é minha ferramenta de trabalho, não vai ficar estragando!”

 Foi-se o primeiro ano e não éramos mais a tal “bicharada”

 As férias foram gostosas, pois já éramos da calourada

 Ao ir pro segundo ano pensei que ia refrescar

 Que esperança vã: peguei o capitão Dinamar!

 Bom teria sido o “Verdinho” e melhor ainda Edgar

 Mas não passou de um sonho – eu estava com azar

 Comandante de pelotão ainda por cima Cupertimo

 Olha, desculpe a sinceridade, mas o cara era um cabotino

 Todo certinho, mas abostado, não aguentava uma corrida

 Mas era mestre em fazer a nossa vida bem sofrida

 O que era mais divertido foi os nossos apelidos

 Mais grossos ou refinados, mas sempre muito divertidos

 Boitatá, bactéria, pentelho, macunaíma, arataquinha

 Feijão, Almeitricha, Leso, Bonca, Tizil, Bidas, Zé galinha

 Anacoluto, Cabeça, Newton Bunda, Ovo, pimpim

 Patinho, ximbica, perereca, camarão e até Cléo pra mim

 Velho Brito, Quixeramobim, Chico bomba, bocão

Boca preta, Paulo peidão , Biafra, Cherry e cabação

 Aí não mais do que de repente o terceiro ano chegou

 “Finalmente estamos na Arma”, a plebe rude exultou

 Mas, quem foi pra Infantaria teve seu sonho frustrado

 Pois o comandante de companhia era cabra muito safado

 Desprovido de caráter era um exemplo acabado de poltrão

 Cometendo injustiças, mentindo e incentivando a delação

 O nome Mota ficará marcado para sempre em nossa memória

Como um exemplo bem acabado do que há de pior na escória

 Certa feita regressando de uma “manda brasa” inopinada

 Um grupo resolveu que era hora de tocar horror na bicharada

 Mas as alas dos bichos estavam fechadas com cadeados e tramelas

Aí tivemos uma ideia: “vamos invadir essa porra pelas janelas”

 Eu fui um deles, confesso. Foi divertido demais ver o Jonas “general”

 Dando esporro na bicharada, bostejando e pagando geral

 Houve um sargento de dia da bicharada que nos dedurou

 E aí comentamos entre nós : “desta vez o bicho pegou!”

 Então o Mota nos falou que queria o numero “só pra controle” do diário

Resultado: vários cadetes que não foram deram numero pra ser solidário

 O tempo foi de passando e achamos que a coisa nada ia dar

 Até chegar a semana santa, o maior licenciamento escolar

 Gaúchos e até aratacas todos com as passagens compradas

 Para ver seus familiares, pois a saudade estava bem apertada

Então chamaram 86 cadetes pra dizer que íamos para o Estado-Maior

Mas a prisão não comportava nos deixaram na ala – menos pior

 O mais indigno de tudo é que escolheram um para desligar

Ao invés de mandar embora um filho de coronel com grande folha corrida

 Mandaram o pobre Bandeira, baiano, cor escura e de família desprovida

 Foi um tiro no pé, pois o outro peixado mais tarde foi desligado

Porque frequentava em Resende festinhas aonde só ia viado

 Mas fomos levando a vida tentando esquecer essas mazelas

 Pois nessa altura muitos estavam comprometidos com donzelas

A gente ia vendo o nosso curso terminar o seu tempo

 E muitos de nós já pensávamos como iria ser nosso casamento

 Aí veio a maior glória –éramos quartanistas, já quase aspirantes

 Virada maior foi a nossa – que éramos os nobres infantes

 Depois de um terceiro ano que nos foi tão cruel e sacana

 Finalmente, no final de nosso curso encontramos o Nirvana

 Nosso comandante de companhia era Ayrton Andrade Ribeiro

 Amigo maior não havia, o “Toreca” era pra todos o primeiro

E o Comandante da Arma também dispensa qualquer palavra

 Pois o Major Domingues em qualquer circunstancia a honrava

 Na véspera do aspirantado o sentimento era algo um tanto dividido

 Alegria por sair oficial, mas nos despedirmos de amigos com coração partido

 Cada um para seu quartel pensando em bem cumprir sua missão

 Mas espalhados pelo Brasil, cada um em diferente guarnição

 Assim, basicamente, correu nosso glorioso tempo de cadete

 Sofremos, mas eu confesso: tenho saudades pra cacete

 Agora, já na contra encosta, nos alegram as fotinhas

 Dos rostinhos dos anjinhos – nossos netinhos e netinhas

Saint-Clair Paes Leme – filósofo de botequim pé-sujo{jcomments on}