NOSSA VIDA DE CADETE - Saint-Clair
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- Criado: Terça, 27 Maio 2014 16:35
- Última Atualização: Quinta, 21 Abril 2016 14:09
- 27 Mai
- Escrito por USUáRIO TESTE DE SISTEMA 1
- Acessos: 5017
No fim dos anos sessenta na AMAN chegamos ressabiados
Deslumbrados com tanta beleza, mas também encagaçados
Extasiados com o luxo de mármore que nos foi apresentado
E receosos com os tais trotes que tanto nos foi avisado
Começamos logo fazendo a famosa “marcha do saco”
Do parque à ala no pulo de galo o que já me deu lumbago
Vindo do meio civil e sem ter uma grande preparação
Doía-me todo o corpo, da primeira fibra ao último tendão
O período de adaptação foi um pesadelo que não terminava
E a cada dia que se passava uma meia dúzia aloprava – e vazava
Os “frangos” não refrescavam, era um concurso escroto
Para ver quem mais alto berrava nos lançando perdigoto
Os tenentes falavam “mata” e os capitães “esfola”
Uns pisavam em nossas cabeças outros nos chutavam as bolas
Era uma turma de tenentes pra ninguém botar defeito
Nos sugavam sem ter pena até nos estourar o peito
Seixas Marques, Carvalho Lopes, Araújo, Consentino
E de quebra Almeida e Silva, Sá Rocha e Cupertino
Ah! E nossos capitães? De tudo, isso era o mais divino
Mário “mico”, “Cheira-Bosta”, “Orangofrango” e “Patolino”
Eram oficiais exigentes, mas que ficaram em nossa memória
Como militares de escol, que davam exemplos de glória
No ensino universitário também tínhamos nossos algozes
Buzato, Guerra e Moutinho eram as figuras mais ferozes
Pra ter boa média em física um era um negócio dantesco
Havia necessidade de com Isaac Newton ter parentesco
No laboratório de física era muito pior a confusão
Pra gravar as experiências babacas tinha-se que ter culhão
Em nossas aulas de química de depois do almoço – que torpor
O baixinho velho Bahiense nos fazia no piso marchar – que horror
E assim seguia a vida dos todos nós, bichos abnegados
Sempre com certo mau cheiro, pois estávamos sempre “mijados”
E quando vinha a SIEsp aí que o jangal era de muito mais trabalho
Todos nós entrando com nossos cus numa festa só de caralho
Era fome, sede, frio, todo sofrimento era pouco
Tinha cara que surtava e ficava muito louco
Plano inclinado, “matéria-prima de lama, banho gelado de madrugada
Era só pica grossa voando e a gente sem direito a nada
Na ala também não tínhamos um momento de descontração
Bastava acabar a revista e os veteranos invadiam de roldão
Os “banhespes” da Intendência eram um negócio danado
Mas pior era ir pras Com para ser eletrocutado
Finalmente chega o Espadim, que julgávamos ser nossa alforria
Que nada, logo descobrimos serem os mesmos nossos dias
Mas havia a diversão com os nossos fiéis companheiros
Que faziam o tempo passar com seu humor – fino ou grosseiro
Logo no primeiro toque do clarim em nossas alvoradas
Escutávamos o barulho da mesa sendo marretada
Era nosso parceiro Guerreiro com sua “bengala” avantajada
Usando-o como porrete na mesa e gritando: “acorda, putada!!!”
Oh, que época abençoada que lembro e bate a emoção
Cada um de nós na alvorada acordava com uma forte ereção!
Lembro o notório “Boitatá” gaúcho de Passo Fundo
Que depois das “Sete Famílias” gostava de ficar imundo
“Esse negócio de banho é coisa de mariquinha”, ele falava
E quando abria seu armário um odor de cadáver exalava
Nas poucas horas livres praticávamos atividades culturais
Como os nomes de personagens em quadrinhos ver quem sabia mais
Eu derrotando a todos e da vitória estava quase certo
Mas, perdi a grande final para o meu amigo Bueno Neto
Mas o esporte preferido de todos – vamos abandonar o cinismo
Era sempre o mais solitário – chamado na medicina de onanismo
Se na AMAN a punheta fizesse barulho, apitasse ou algo assim
Certamente que tal som seria ouvido até em Pequim
Eu, pelo menos, confesso: se ganhasse 10 reais por cada uma que fiz (em mim, esclareço)
Certamente que eu teria hoje um bom apartamento em Paris
Quem diz que nunca na AMAN “descabelou o palhaço”
É porque não tem coragem de assumir – é o que acho
Ou então não era chegado numa vulva bem molhada
E acabou sendo desligado porque era bainha de espada
Eu e Baciuk esperávamos o “MacaMendes” pegar a playboy
Escondida toscamente dentro da revista de cowboy
E ao banheiro se dirigir para a sua bronha tocar
Enchíamos o capacete e íamos lhe banhar
Depois era sebo nas canelas porque o Mendes enlouquecia
Queria matar alguém – gritando: “isso é putaria!”
A alternativa era para o tal de bambuzinho ir
E depois rezar bastante para o pau não cair
Melhor era o Novacap, puteiro de luxo em Volta Redonda
No entanto custava caro pra se tirar essa onda
As mulheres eram legais e até tinham cheirinho bom
Chegava-se e comprava-se logo a ficha – era de bom tom
Certa feita em Novacap vi uma coisa hilária demais –vou contar
Havia ido com o Martinelli, que tinha a “ferramenta” espetacular
Quando de sunga aparecia a sua silhueta frontal – que pecado
Achavam que um rolo de papel higiênico ele havia guardado
Pois bem, lá em Novacap ele comprou ficha e escolheu
Uma morena bem linda e no quarto se recolheu
Não passaram nem 5 minutos e a moça saiu gritando
“Essa é minha ferramenta de trabalho, não vai ficar estragando!”
Foi-se o primeiro ano e não éramos mais a tal “bicharada”
As férias foram gostosas, pois já éramos da calourada
Ao ir pro segundo ano pensei que ia refrescar
Que esperança vã: peguei o capitão Dinamar!
Bom teria sido o “Verdinho” e melhor ainda Edgar
Mas não passou de um sonho – eu estava com azar
Comandante de pelotão ainda por cima Cupertimo
Olha, desculpe a sinceridade, mas o cara era um cabotino
Todo certinho, mas abostado, não aguentava uma corrida
Mas era mestre em fazer a nossa vida bem sofrida
O que era mais divertido foi os nossos apelidos
Mais grossos ou refinados, mas sempre muito divertidos
Boitatá, bactéria, pentelho, macunaíma, arataquinha
Feijão, Almeitricha, Leso, Bonca, Tizil, Bidas, Zé galinha
Anacoluto, Cabeça, Newton Bunda, Ovo, pimpim
Patinho, ximbica, perereca, camarão e até Cléo pra mim
Velho Brito, Quixeramobim, Chico bomba, bocão
Boca preta, Paulo peidão , Biafra, Cherry e cabação
Aí não mais do que de repente o terceiro ano chegou
“Finalmente estamos na Arma”, a plebe rude exultou
Mas, quem foi pra Infantaria teve seu sonho frustrado
Pois o comandante de companhia era cabra muito safado
Desprovido de caráter era um exemplo acabado de poltrão
Cometendo injustiças, mentindo e incentivando a delação
O nome Mota ficará marcado para sempre em nossa memória
Como um exemplo bem acabado do que há de pior na escória
Certa feita regressando de uma “manda brasa” inopinada
Um grupo resolveu que era hora de tocar horror na bicharada
Mas as alas dos bichos estavam fechadas com cadeados e tramelas
Aí tivemos uma ideia: “vamos invadir essa porra pelas janelas”
Eu fui um deles, confesso. Foi divertido demais ver o Jonas “general”
Dando esporro na bicharada, bostejando e pagando geral
Houve um sargento de dia da bicharada que nos dedurou
E aí comentamos entre nós : “desta vez o bicho pegou!”
Então o Mota nos falou que queria o numero “só pra controle” do diário
Resultado: vários cadetes que não foram deram numero pra ser solidário
O tempo foi de passando e achamos que a coisa nada ia dar
Até chegar a semana santa, o maior licenciamento escolar
Gaúchos e até aratacas todos com as passagens compradas
Para ver seus familiares, pois a saudade estava bem apertada
Então chamaram 86 cadetes pra dizer que íamos para o Estado-Maior
Mas a prisão não comportava nos deixaram na ala – menos pior
O mais indigno de tudo é que escolheram um para desligar
Ao invés de mandar embora um filho de coronel com grande folha corrida
Mandaram o pobre Bandeira, baiano, cor escura e de família desprovida
Foi um tiro no pé, pois o outro peixado mais tarde foi desligado
Porque frequentava em Resende festinhas aonde só ia viado
Mas fomos levando a vida tentando esquecer essas mazelas
Pois nessa altura muitos estavam comprometidos com donzelas
A gente ia vendo o nosso curso terminar o seu tempo
E muitos de nós já pensávamos como iria ser nosso casamento
Aí veio a maior glória –éramos quartanistas, já quase aspirantes
Virada maior foi a nossa – que éramos os nobres infantes
Depois de um terceiro ano que nos foi tão cruel e sacana
Finalmente, no final de nosso curso encontramos o Nirvana
Nosso comandante de companhia era Ayrton Andrade Ribeiro
Amigo maior não havia, o “Toreca” era pra todos o primeiro
E o Comandante da Arma também dispensa qualquer palavra
Pois o Major Domingues em qualquer circunstancia a honrava
Na véspera do aspirantado o sentimento era algo um tanto dividido
Alegria por sair oficial, mas nos despedirmos de amigos com coração partido
Cada um para seu quartel pensando em bem cumprir sua missão
Mas espalhados pelo Brasil, cada um em diferente guarnição
Assim, basicamente, correu nosso glorioso tempo de cadete
Sofremos, mas eu confesso: tenho saudades pra cacete
Agora, já na contra encosta, nos alegram as fotinhas
Dos rostinhos dos anjinhos – nossos netinhos e netinhas
Saint-Clair Paes Leme – filósofo de botequim pé-sujo{jcomments on}