CARTA ABERTA AO MEU AMIGO SALVANY

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altCaro amigo-irmão Ivo Dias Salvany

   Li e reli, mente e coração partidos, recente exposição pessoal de motivos justificando a ausência desse nobre comandante de blindados às comemorações dos 40 anos de Oficialato da gloriosa Turma, em dezembro vindouro. Encorajado sob a luz de amizade fraterna a nos aproximar desde idos imemoriais, sua justa e indizível benquerença no seio da Confraria72 e a franqueza soberana imperante entre amigos sinceros, arrisco-me a estas humílimas considerações sobre assunto que suponho impactar o domínio afetivo de centenas de confrades.

  Perdoe-me, de antemão, a possível rudeza de determinadas colocações, fruto da crassa indigência intelectual deste soldado de letras escassas, todavia julgada essencial ao descortino do que penso. E agradeço às generosas palavras atribuindo-me papel detonador, via banais croniquetas, da corajosa catarse a propósito de sombras fantasmagóricas que há décadas o atormentam, apenas agora libertas do fundo do cofre de suas lembranças mais recônditas e sofridas.

   Suprema ousadia, de minha parte, discorrer uma linha sequer acerca de conceitos psico-filosóficos diante do seu reconhecido saber enciclopédico; entretanto impelido pelos deuses da fraternidade 3C, prossigo desabrido expondo-me ao fogo desalentador da censura pública, pois dos fundamentos freudianos referidos no seu desabafo recorrerei à maiêutica socrática para rebatê-los, tal qual o judoca usa a força do oponente para derrubá-lo, isto não significando menosprezar lhe os sentimentos autênticos e percepções arraigadas, porém demonstrar-lhes a impertinência congênita sob ótica diversa.

   Ler Freud, Jung, Lacan, Damerran ou qualquer outro pensador destacado admite múltiplas variantes interpretativas que, via de regra, relativizam seus discursos conforme os cenários analisados. A gênese dos traumas freudianos decorrentes de experimentos sociais, a ilustrar, geralmente configura o antagonismo princípio do prazer x princípio da realidade. Resumindo, é imperativo sofrer, ou ser reprimido (princípio da realidade) para fruir a satisfação almejada (princípio do prazer). Sem controles reguladores de conduta, o ser humano seria incapaz de estabelecer relações grupais, ou sociais, a partir da própria célula-mãe familiar. Portanto, estimado irmão, ao Dr. Sigmund sofrer é da vida, como imortalizado no título de famosa composição popular do célebre gentleman-cantor Mário Reis, cl ã Silveira da Fábrica Bangu.

  Sem sofrimento não há vida. Viver é equilibrar-se no fio da navalha sofrer vs prazer, prêmio vs castigo, recompensa vs punição. Se não tivéssemos superado as agruras inerentes à nossa formação militar, em tese voluntária e espontânea, não estaríamos a integrar agrupamento social que após anos de desarrumação coletiva, sobretudo movido pelo etos agregador da entidade chamada Turma Marechal Mascarenhas de Moraes acorre pressuroso a encontro festivo no berço significante de nossos ideais da juventude, a inesquecível AMAN. Lá sofremos? Sim, e daí? Quando escolhemos ser batizados Soldados de Caxias a integrar o Exército Brasileiro na condição de Oficiais, subscrevemos na matriz volitiva de nossas personalidades o compromisso inabalável de conquistar a meta colimada, na senda de - a missão é sagrada e será conquistada a qualquer preço – propósito este simbolizado nos vitrais da Academia no último trabalho de Hércules, ao descer às profundezas do inferno de Hades para trazer à superfície, e a ele retornar, o tenebroso guardião do seu portal, o ferocíssimo cão tricéfalo Cérbero. SIEsp, CBas e afins são brincadeiras infantis perante certos seres mitológicos gregos...

   O seu libelo acusatório, caríssimo Ivo, a leitor desatento ou desconhecedor dos valores formativos da escola dos campos de Membeca sugere ser a AMAN campo de concentração reduzido, talvez assemelhada a Auschwitz ou Treblinka tropicais miniaturizada no sopé das Agulhas Negras. Nada mais enganoso e ofensivo à realidade de bancos escolares onde se consolida o caráter de homens probos e o valor profissional acendrado de futuros chefes castrenses. Se vamos renegar nossas vivências traumáticas escorados em leituras superficiais de teorias psicanalíticas adensadas, logo estaremos a odiar nossos pais, acusando-os de repressores ou torturadores, na lamentável correnteza alienante dos tempos modernos.

   O verdadeiro Soldado glorifica o sofrimento, dele faz o apanágio para a glória que eleva, honra e consola os eleitos de Marte. O capitão Danjou, protagonista maior da mitológica Legião Estrangeira francesa, aliás, cavalariano formado em Saint-Cyr, apesar de ter perdido uma das mãos ainda jovem em combate, continuou na ativa e escreveu, anos depois, das mais belas páginas da História Militar na batalha de Camerone, no México, comandando grupo de legionários que consagrou a máxima “a guarda morre, mas não se rende”. Milhares de exemplos poderiam ser citados na mesma linha de heroísmo exponencial. Sem algum sofrimento, como poderemos estar convictos de, se preciso for, cumprir o juramento solene de defender com a própria vida a honra, integridade e instituições da Pátria Brasileira?

   Parabenizo-o e até o reverencio pela coragem de externar suas apreciações sobre o momentoso tema dos 40 Anos! Presentes! Respeitosamente discordo, no entanto, da natureza da argumentação exposta visando a justificá-lo ausente às celebrações programadas, que considero inócua e dissociada da realidade, pois não o impedirá de estar visível em cada roda de conversa, em cada evento planejado, no pensamento de cada confrade em Resende nos dias quatorze e quinze de dezembro de 2012.Entenda, insigne Xamã da Aldeota-Meireles, absolvendo-me da ousadia discursiva: muito além e acima dos lugares, das pessoas físicas e jurídicas, das coisas e objetos, da matéria e dos materiais, dos astros e das estrelas de diferentes grandezas, pairam os imperativos do espírito, da espiritualidade e da concepção platônica da ideia infinita.

  Ainda há tempo hábil para ser revista a decisão anunciada.  Se nela persistir, em nada alterará a elevada estima, a amizade e a profunda admiração por mim nutrida em relação a você, o que também imagino acontecer a parcela respeitável da TuMMM, haja vista manifestações esparsas postadas na intranet da Nação72. Embora já esteja a operar o mecanismo de defesa freudiano da negação, para atenuar a possível frustração da sua propalada ausência, admito guardar em nicho secreto do coração a caixa de Pandora da esperança derradeira de sua inopinada presença nos arredores acadêmicos, irrompendo em ato de surpresa triunfal n’alguma pousada, hotel ou cafofo da região.

  Em Penedo, no Casa Encantada, onde parece será o QG da Turma, ou em Pedra Selada, onde o meu alterego Dom Obá III, entusiasmado, promete bivacar para curtir o clima Afrika Corps dos saudosos ELD do CCav, estarei aguardando até D a sua inenarrável aparição tal qual num antigo curso preparatório para o IME.       

  Afinal, alguém expert em Sun Tzu, Maquiavel, Lidell Hart e Sigmund Freud dignifica por si só a aura estelar de um cidadão- guerreiro incomum.

   Ferro & Aço! Fogo & Balaço!   SEMPRE HAVERÁ UMA CAVALARIA!

 Rio, 09 de setembro de 2012

Cad Cav 1039/72 Nilo{jcomments on}