MENSAGENS DO NILO

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Caros Integrantes da Tu MMM 72.

O nosso companheiro Nilo é um exímio escritor e sabe tocar o sentimento dos companheiros em suas mensagens. Para que não se perca tal conhecimento vamos criar o espaço: "Mensagens do Nilo". Assim tudo que for criado estará disponível para a leitura de Norte ao Sul e alguns em passeio pelo planeta. Seguem os dois primeiros artigos:{jcomments on}

PRETO, RACISTA, MACHISTA, COTISTA ...e chato.com

Longe vão os meus tempos de internauta bissexto. Depois que aderi à rotina de acesso à web descobri o quanto a vida pode oferecer de belas surpresas, inimagináveis a cerébros desprovidos de intelecto superior, como o deste rabugento provecto. Da cega indiferença ao entusiasmo incontido ignorei etapas, logo tornando-me usuário vibrante da rede e cultor de suas infinitas possibilidades de achegar-se da sabedoria plena, via democratização do conhecimento.

A paixão estonteante, sublime fase inaugural do amor, envolveu descobertas maravilhosas. Seduziam-me os títulos das mensagens recebidas, premonitórios de revelações aptas a produzirem enorme frisson na psique do neófito atarantado. Encantado com as promissoras verdades dignas de absorção, corria a abrir vastíssima sucessão de e-mail, prenhe de curiosidade. Mesmo assim, malgrado prisioneiro de atração mórbida, escorava-me nos valores puritanos de vetusta formação cavalariano-cruzmaltina e, de antemão, deletava apenas indicações de baixo erotismo e de vulgaridades cruentas sobre o Gigante da Colina. Temas outros eram bem-vindos e propiciariam inegável ajuda ao meu engrandecimenrto pess oal, tal qual mostrarei no prosseguimento.

Como é Feito o Papel Higiênico que Importamos da China; O Casamento Minnie-Pateta; Namoro com o Mecânico; Café da Manhã; Um Homem Deve Usar Brinco?; Papel Alumínio: Dez Maneiras de Usar; Conexão da Inverdade; Nova Tabela: Será Verdade?; Nota de Esclarecimento Programa de TV; Rico Também Anda de Ônibus; Porque Prefiro os Cachorros aos Gatos; A Rainha dos Baixinhos ... na Putaria; Pense em um Sacana; A Mordida do Mineirinho; Pensamento Sexual do Dia; Laudo de Conjunção Carnal em SP e Orgasmograma...Colossal!!!, perfazem amostra de mensagens recentemente postadas em minha caixa postal. Evidentemente que as seis derradeiras listadas, coerente com os princípios antes mencionados tiveram de imediato o rumo da lixeira; aqui só as extern o sob o propósito singular de evidenciar a extensa pluralidade da temática abordada. E nada mais, juro.

 

A cada título exposto, correspondia peculiar reação deste ingênuo primata. Como é Feito o Papel Higiênico..., por exemplo, ainda está a inspirar-me séria análise geopolítica sobre o teor das relações bilaterais sino-brasileiras. Jamais suspeitei estivesse em nível tão estreito, e que a cultura daquele país asiático pudesse adentrar com tamanha facilidade e voluntarismo a intimidade de milhões de conterrâneos; Um Homem Deve Usar Brincos? e Papel Alumínio: Dez Maneiras de Usar, deflagraram-me graves questionamentos existenciais, enquanto Nova Tabela: Será Verdade? causou mergulho abissal no domínio das pulsões primárias, o Id freudiano de instintos e sonhos irrealizados perante o Superego controlador. São meras ilustrações pinçadas de amplo universo, porém representativas de quanto a familiaridade com a rede viria a influenciar este ser decrépito, adequando-o aos tempos modernos.

Além do caráter pedagógico nelas veiculado, as principais matérias enviadas coincidem num aspecto: a reiteração abusiva, parecendo haver perverso conluio dos remetentes para ensandecer este destinatário. As de conotação sexual são repetidas ad nauseam e dispenso-me comentá-las; numa única jornada, recebi nove Notas de Esclarecimento de Programa de TV, sete de Rico Também Anda de Ônibus e seis de Porque Prefiro os Cachorros aos Gatos, isso sem computar demais remessas esparsas em diferentes datas. Durma-se com um bombardeio desses, autêntica eficácia de exocets virtuais. Até aí entretanto imperava relativa calmaria, se comparado ao que estava a acontecer.

Quase a submergir na enxurrada de mensagens, levo jab, sou nocauteado e, cambaleante, reerguido para divisar o seguinte título: “ Nem Negro, nem Índio, nem Viado, nem Assaltante, nem Guerrilheiro, nem Invasor. Como Faço?. Pauleira hard, pura Klu Klux Klan cabocla século XXI, ainda atordoado, visão turva com o gentilíssimo chamamento da matéria, tento identificar o remetente: trata-se de estimado confrade da Arma Ligeira. Menos mal, penso, atenuante primária. Abro o e-mail e nova surpresa ao me deparar com o título original: Sou Branco, Honesto, Contribuinte, Eleitor, Hetero...Para Quê?, da lavra de renomado tributarista. Constatação óbvia: o meu fraterno perissodáctilo, no adotar o artifício da negação enfatizante, de moto próprio elevou o tom da indignação do tal jurista ariano aos píncaros da delicadeza absoluta. Qualé, Dom AT, linha do tempo Alabama-Nikiti ?

Evitarei adentrar o mérito das considerações de Sou branco... ou Nem negro..., pois suscitariam réplica demasiado longa; o que move meus comentários são observações amparadas a partir da avalanche de mensagens iguais que se seguiram à do notável arianófilo das baias. Até hoje, mais de dezena, a confundir as pobres percepções antroposociológicas deste asno sobre a verdadeira identidade racial da população brasileira, levando-me às conclusões subsequentes:

1. A maioria da população tupiniquim é de ascendência nórdica, similar ou assim se reconhece. Reafirmo, desse modo, minha condição sempiterna e próxima à extinção de pelagem sete, portanto integrante de minoria excluída;

2. Não sendo branco, índio, amarelo, moreninho ou negro de alma branca, e sofrendo invectivas virtuais do tipo de Nem negro..., acabo de fundar grupo quilombola combatente para defender-me de tais ataques e lutar pela sobrevivência da negritude em nossas plagas, diante do que, contrariado, sou compulsado a vestir a pele de racista oprimido;

3. Criado à beira do Turano nos anos 60, sem as chiques UPP atuais, depois engajado nos ritos da nobre Cavalaria, julgo dispensável reafirmar minha natureza congênita de machista irretratável;

4. Sendo preto, racista e machista, assim triplamente excluído nos idos correntes, julgo merecer o beneplácito da inclusão no rol das cotas, seja lá para o que e onde elas forem aplicáveis;

5. Alerto o esmagador contingente de arianos, nórdicos e escandinavos integrantes da turba pátria já dispor este exótico espécime racial de armamento dissuasor, em face transgressores da minha cota de tolerância internáutica. Trata-se do vil poema Neguinho, doce antídoto contra os e-mail de conteúdos acacianos, repetitivos ou redundantes; revelo que dois correspondentes diletos já foram agraciados com os versos torpes do opúsculo, no qual pretendi ser tão ou mais chato do que eles tem sido comigo.

Agradeço ao gentil repassador de Sou branco..., reintitulado Nem negro..., pois sem a sua providencial mensagem estaria ainda a incorrer na indesculpável suposição de ser a composição racial da nacionalidade majoritariamente negra, mulata, ou parda. Agora, ciente de que somos um país de ascendência com predominância ariana, assumo ser crescentemente minoria.

Alfim, reitero o significado de Neguinho, o poema. Aos contemplados com o recebimento dos versos nefandos, saibam estou a exprimir reação iracunda diante do conteúdo de mensagens deles exaradas a minha humilde caixa postal; se a curiosidade não os impedir, poderão a um simples clique do mouse deletá-lo já na leitura do título, assim como a este Preto, Racista, Machista, Cotista ...e chato.com.

Dom Obá III, internauta étnico desiludido, em franca desaceleração da web.

Rio, 19 de maio de 2012


IDIOTAS E BOSTEJADORES

Ao interagir na rede expondo ideias próprias, venho sofrendo críticas acerbas de amigos e companheiros diletos. Algumas, sob a mais perversa modalidade de desaprovação, a indiferença intencional e sistemática; outras, sob tons irônicos de descrédito e menos valia explícita. Hoje, inflado nas asas da audácia insensata e inspirado em episódio recente, resolvi dar o troco apregoando este arremedo de tese.

Melhor combater à sombra, há milênios já ponderava o sábio general Leônidas, o das Termópilas. Optei, portanto, por suave desafiar de oponentes reconhecidos, no TO deste leve torpedeamento retórico: dois estimados analistas contudentes do meu estilo subliterário, pois a eles ao menos devo a gratidão de me externarem juízos, mesmo depreciativos. Preliminarmente, julgo de bom alvitre esclarecer a natureza de suas personalidades e da peculiar relação que desde eras imemoriais nos aproxima.

Detentores de perfis comportamentais semelhantes, destacam-se pela inteligência soberba, caráter ilibado, coragem em suas acepções viscerais, lealdade e devoção aos amigos. Profissionais exponenciais, empreendedores e bem-sucedidos nos propósitos pessoais, exercem natural influência na ambiência de suas atuações, onde são justamente prestigiados. Desfrutar-lhes da amizade excede em privilégio. Cartesianos de carteirinha, condição em si apenas não-demeritória, absorveram tamanho viés de crua objetividade nas percepções sobre o planeta, a vida e os indivíduos que ora carecem de revisão de fundamentos, em inescapável back to basic atitudinal. Escravos da funcionalidade avassaladora e triunfante, estão quase a se desumaniza r, rumo ao patamar de autênticos andróides caricaturais.

Domingo, 13 de maio corrente, o outrora aristocrático Fluminense sagra-se campeão carioca deste ano. No dia da redenção da escravatura, ó coincidência astral, o clube das Laranjeiras, nas origens ditas fidalgas avesso à participação de negros, mulatos e descamisados em suas equipes de representação, reconquista insigne laurel esportivo. Ao associar a data e a vitória, assoma a extraordinária figura de torcedor antediluviano: Nelson Rodrigues, o afamado escritor, dramaturgo e jornalista, que se vivo estivesse completaria centenário de vida em 2012. A promulgação da Lei Áurea, o Fluminense, o tricolor Nelson e meus detratores, aonde chegaremos nesta senda de trajeto surreal?

Nelson personificava superposição rara de manifestações genéticas, pois ao desmoralizar a segregação natural entre persona literária e individualidade, preservava-se ser uno e indivisível em tempo integral. Frasista emérito, foi arguto apreciador da natureza humana, provocando frisson quando dela desmascarava as entranhas da hipocrisia, sobretudo lá pelos anos 1950 e 1960, em crônicas publicadas nos jornais da época. A série A Vida Como Ela É, de duradoura periodicidade diária, inspirou-lhe a concessão do apelido de Anjo Pornográfico, uma de suas celebrizações notórias. Ao futebol, paixão de toda uma vida, dignou-se oferecer status de refinamento literário até então impensável; conjectura-se que, depois dele, ninguem  mais deveria ousar escrever sobre o antigo esporte bretão. Da infinidade de frases, expressões e pensamentos derivados da sua pena genial, extraio personagem de atualidade instigante: O Idiota da Objetividade (IO).

Há idiotas e idiotas. O idiota fundamental, categoria da qual sou sócio remido, é de facílima identificação. Somos beócios em inarredável estado de passividade existencial, contemplativos diante do mundo e da mundanidade. Assim nascemos, assim permanecemos, assim inapelavelmente seremos. Nelson asseverou que “o grande acontecimento do século (XX) foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”; referia-se, sem dúvida, ao idiota absoluto, ao idiota fundamental que tão bem represento. Embora também o tenha consagrado, subestimou a dimensão fantástica que o idiota da objetividade alcançaria no século seguinte.

Os amigos diletos antes citados, os quais alvejo nestas palavras, considero-os estimados idiotas da objetividade. De novo enfatizo as excelsas virtudes enunciadas, malgrado não os absolverem da pecha rodrigueana, de preocupante aplicabilidade nestes tempos de supremacia distorcida da pura lógica cartesiana.

Um, menos tolerante, há muito pespegou-me o rótulo de O Bostejador. Na verdade, eminente causídico e possuidor de notório saber jurídico, transita entre a rigorosa via da conduta castrense nativa e os maneirismos sutis da via forense adotiva. Eu, bostejador, iletrado cabo das baias diante do advogado convincente e ilustre? Fala sério, mermão...

O outro, tricolor tresloucado, vive a citar Nelson, numa reverberação suspeita que o denuncia como cultor de uma frase só: aquela do “então vos digo, etc e tal; e podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos”. Ora, ora, ora, mestre do conhecimento wilkipédico, oriente-se antes de adentrar o brejo montando a vaca sagrada. Amigo especial e querido, tal qual o doutor das leis, chega a causar-me perplexidade sua piração autofágica. Dia desses, ao criticar texto de minha lavra, expeliu esta pérola: “... comparar a infância de um dos Beatles com as reuniões inconsequentes de uma cambada de coroas??? Só vc mesmo. Apesar do comentário, excelente texto. Está se superando. Nesse texto con seguiu até alguma objetividade...”. Quer dizer que os verdes anos iluminados de John Lennon, na visão colonizada do crítico, foram comparados à obscuridade decadente de velhinhos amontoados no CMPV? Fala sério, mermão campeão. Você retratou a mais perfeita tradução do IO, na lídima versão fundadora: a de alguém que não enxerga um palmo além do óbvio ululante de babar na gravata.

Parodiando o profeta Nelson, então eu vos digo, caros amigos IO: administrem-se doses cavalares da melhor poesia. Temperem a busca frenética da objetividade com o lirismo de certos bostejos inconsequentes, pois “o adulto não existe. O homem é um menino perene”, ainda segundo o imortal escritor tricolor. Recorrendo a outros mestres, Tom e Newton Mendonça, no peito dos bostejadores também bate um coração. Tanto bate que este humilde cabo das baias, a findar, lhes agradece a compreensão de seus desvarios, reitera insuperável estima e oferece aplicação inicial da medicação sugerida, nos versos seguintes:

Dupla existência da verdade

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.

Fernando Pessoa, Encontro de Poesia.

Dom Obá III, idiota fundamental, bostejador reles e apreciador da amizade incondicional. Da Quinta histórica de São Januário, já concentrado para a noite de amanhã.

Rio, 15 de maio de 2012