TODO AQUELE JAZZ NA FM

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Extraordinário jazz, o pacote completo: origens, evolução histórica, estilos, instrumentos, intérpretes, compositores, espírito rompedor de barreiras artísticas e sociais, até a dramaturgia pungente. Como deixar de se comover diante das canções de trabalho, dos blues, da Bilie Holiday violentada na infância, do Fats Waller falecido no auge criativo, do Charlie Parker autopsiado aos trinta e quatro anos num corpo de setenta, consumido pelas drogas? Tragédia grega?  Piti infantil, comparada a all that jazz. 

  Apreciadas dezenas de livros e filmes, centenas de discos e intermináveis horas dedicadas ao gênero, difícil evitar resquícios afetivos de Satchmo, Hawkins, Ella ou Sassy. Estranhamente, a persistente sensação de ter participado de gravações, shows e jam sessions  conduziu-me a blasfemar, numa roda de incautos, experiências próprias ao saxofone na Blue Note. Depressivo do factoide obsceno, eu passei a perseguir explicação plausível para o lamentável episódio.

   Não frequentei a Ivy League, nem mesmo a ESG ou a Gama Filho, haurindo sapiência de scholar, mas cursos-relâmpagos na comunidade e quebradas existenciais têm-me ajudado a entender a mente do macaco nu. Além disso, alfarrábios de aulas gazeteadas nas areias do Leme aliviaram minha culpa na citada cascata, graças à descoberta ocasional de indícios interessantes na UD da memória cravada em papiros carcomidos, há décadas encaixotados.      

   A rigor, mais a idade avança, mais encaro jactâncias vazias de distintos senhores, conspurcando a velhice como reino da mentira e dos mentirosos, ávidos por forjarem imagens pessoais longe do que realmente foram durante suas fases de vida mais produtivas. Até desconsidero lorotas pedagógicas de vovozinhos, desculpáveis pela intenção de maquiarem  currículos a futuras gerações familiares. Velhinhos kaozeiros descartados, o alarmante fenômeno de façanhas implausíveis parece tanto empolgar homens maduros que na semana passada estarreci ao observar um deles declarar-se “o fundador de Brasília”, e antes que me prostrasse ao JK de mentirinha percebi ser a coisa séria, generalizada, minando as beiradas comportamentais masculinas.

   - “A memória, base do aprendizado humano, é o que nos diferencia dos demais primatas e animais em geral” – entre apreensivo e crédulo li a página inicial de caderno antiquado. Perfeito, mas antigos boletins de desempenho escolar revelam a proximidade intelectual incômoda dos grandes símios, quase capazes de atingir índices mínimos de aprendizagem iguais aos meus nas escolas frequentadas. Meio cabreiro, avançava na (re)visão psicotécnica, quando fagulha no breu alumiou este suposto chimpanzé científico a desbravar o conceito redentor das falsas memórias,o xis da questão de coroas embusteiros.    

   Falsas Memórias – FMs - são registros de fatos, pessoas, situações e acontecimentos gravados em regiões do córtex cerebral adjacentes ao hipocampo, território da verdadeira memória. Normalmente, circunstâncias excessivamente reiteradas ou de forte tensão emocional contribuem para fixar essas percepções irreais. Resumindo: entre a mentira deslavada e a falsa memória pesquisada existe longo trajeto de incertezas só acessível aos estudiosos das mumunhas cerebrais.

     De tanto recordar Woodstok, um jovem dos anos 70 que jamais adentrou Bethel começa a gabar-se de ter chafurdado na lama do festival ao som do Blood, Sweat & Tears e de Jimi Hendrix? Confrade apregoa-se o melhor cavaleiro da Turma, outro doutorado em física quântica, alguns pré-selecionados a Olimpíadas, alguém mais possuir o troféu de melhor Cmt patrulha da SIEsp? Aposentem chacotas e críticas, desavisados da ciência, porque eles apenas extravasam inocentes, falsas memórias de estimação. Maneiro, né?

    Empolgado pelo resgate de tantos conhecimentos engavetados, abandonei o remorso da jam session fantasiosa na Blue Note.

    Agora compreendo excentricidades verbais de confrades próximos, principalmente via zapzap e demais redes sociais. Ao assegurar, todavia, que o Kareem Abdul- Jabbar aprendeu basquete comigo e que esnobei a tríplice coroa do Marechal, ainda me faltam extraordinárias FMs para justificativas aceitáveis.   


Rio, 18 de outubro de 2015.

Dom Obá III, generalista cultor de fait divers.{jcomments on}