Festa Nacional da Artilharia - 2015
- Detalhes
- Criado: Sexta, 19 Junho 2015 10:31
- Última Atualização: Quinta, 21 Abril 2016 14:09
- 19 Jun
- Escrito por USUáRIO TESTE DE SISTEMA 1
- Acessos: 2577
"MA FORCE D'EN HAUT!"
Minha força vem do alto!
O convite chegou por mensagem eletrônica. Com dois meses de antecedência. O Tenente Coronel Carlos Marcelo Teixeira Costa, comandante do 3º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado - Regimento Mallet - O Boi de Botas, a unidade herdeira direta das tradições do patrono da arma de artilharia do Exército Brasileiro, informava que estava iniciando os preparativos para a Festa Nacional da Artilharia 2015 e indagava se eu aceitaria, preliminarmente, inscrever-me para participar.
O coração do velho artilheiro pulsou forte. Depois de 34 anos de serviço ativo e mais 15 na reserva e reformado, o convite era inusitado e irrecusável. Inusitado porque não me lembro de tê-lo recebido antes. Irrecusável porque nunca tive a oportunidade de assistir a celebração naquela histórica unidade. Respondi, afirmativamente, e aguardei com ansiedade quase colegial, a confirmação da atividade.
Na semana que antecedeu a festa recebi ligação telefônica, oriunda do Comando da Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Exército, perguntando se eu confirmava o interesse em participar da festa. Confirmei e fui então informado que os detalhes logísticos para o deslocamento e outros necessários à viagem me seriam transmitidos em tempo oportuno. E assim ocorreu.
Desde logo percebi que a impecável organização, característica das coisas do nosso Exército, fazia-se presente na detalhada preparação para que tudo funcionasse a contento. Ainda no Rio de Janeiro, os cuidados com o transporte, a alimentação,e a recepção, começaram a se delinear em verdadeira grandeza. E o que seria marca registrada, o caloroso reencontro de chefes e subordinados, amigos de todos os tempos, da ativa e da reserva passou a ser a regra que regularia por quase 30 horas as relações entre os soldados de ontem e de hoje, irmanados no mesmo fervor cívico-militar de homenagear o patrono da nossa arma.
A fidalguia do General Mourão, Comandante Militar do Sul, ao recepcionar-nos com os seus oficiais-generais, com o Comandante anfitrião, TenCel Carlos Marcelo, e com o Cel Aviador Medeiros, Comandante da Base Aérea de Santa Maria, tocou a todos nós. Seguiu-se o almoço na própria Base, onde o cardápio, simples como coisa de soldado, ofereceu como prato de resistência a camaradagem representada pelos longos e afetuosos abraços trocados entre aqueles que haviam se deslocado de Brasília, do Rio de Janeiro, de Curitiba e de São Paulo.
A impecável organização conduziu-nos a um hotel na cidade e nos forneceu as instruções necessárias para a permanência na guarnição até a nossa partida. Foi a oportunidade de reencontrarmos companheiros de Porto Alegre que haviam se deslocado de ônibus para Santa Maria.
Momentos mais tarde, era chegada a hora! Os clarins anunciavam a presença das mais altas autoridades, General De Nardi e General Leite, e a eles foram prestadas as honras militares. Palanque principal, em frente ao Mausoléu do patrono, lotado, assim como os palanques laterais e as arquibancadas.
Inicialmente, o pungente toque de silêncio dos clarins prestou homenagem a todos os heróis que tombaram nos campos de batalha.
A penumbra ou lusco-fusco no pátio e arredores não permitia que se descortinasse a representação a que em breve se assistiria. Surge o oficial que representaria Mallet, cavalgando junto com o seu Estado-Maior, preocupado, às vésperas da Batalha de Tuiuti, com a posição que ocuparia. Determina a construção do fosso. Reza com a tropa. Aguarda ansioso o ataque iminente. E ele vem. A primeira carga da cavalaria paraguaia surpreende-se com o fosso e ali fenece. As cargas sucessivas conhecerão a artilharia-revólver de Mallet! Com a atuação da infantaria de Sampaio e da cavalaria de Osorio, a vitória em Tuiuti foi assegurada.
O tempo avança. O campo de batalha agora é o Teatro de Operações da Itália, onde a artilharia prestou não só o apoio de fogo à arma base como a transportou,acompanhando o Esquadrão do Capitão Pitaluga, para cercar a divisão inimiga. O observador avançado faz um pedido de tiro, a bateria em deslocamento ocupa posição e, em pequena fração de tempo, está pronta para neutralizar a ação inimiga. A representação entra no modo pausa! Suspense na plateia! O locutor anuncia: o fogo será comandado por um artilheiro febiano presente à cerimônia. Aribides Rodrigues Pereira, amparado em seus passos vacilantes da idade avançada por um jovem oficial, aplaudido pela assistência, comanda com voz firme: FOGO! Missão cumprida, inimigo neutralizado! Assistentes em êxtase cívico com aquela presença de um homem que lutou pela democracia em terras estrangeiras distantes e contribuiu para o fim da ditadura Vargas no Brasil!
O foco retorna para o patrono. Aproxima-se uma pequena charrete, transportando três cadetes do 4º ano do Curso de Artilharia da AMAN, um deles portando a espada de gala do Mal Mallet, que será colocada em pedestal no interior do Mausoléu. As autoridades e os descendentes de Mallet depositarão uma corbeille de flores junto à urna dos restos mortais do Marechal e sua esposa que ali repousam. Silêncio absoluto. Os clarins marcam a presença do Marechal. Haja emoção!
E elas serão vividas com mais intensidade ainda, como se isso fosse possível. Todos os artilheiros presentes, da ativa e da reserva, de todas as idades, jovens alunos do Grêmio de Artilharia do Colégio Militar de Santa Maria, adolescentes do Centro de Preparação da Reserva de Porto Alegre, todos perfilados junto aos chefes militares de ontem e de hoje, aguardando o toque de sentido e o ordinário marche! E desfilam garbosos, alguns sentindo o peso da idade, apoiados mesmo em suas bengalas, mas exuberantes, a despeito das dificuldades físicas que os anos lhes impuseram! Mas, a garra supera e suplanta tudo!
Todos os presentes são convidados a cantar com a tropa a Canção da Artilharia! Urra, urra, urra! A garganta começa a falhar! Será a friagem de Santa Maria da Boca do Monte? Será a emoção do velho coronel? Aguenta, coração!
Desfila garbosa a tropa! A Bateria Histórica cadencia seus 80 passos por minuto com a canção! Relembram o passo tardo, imposto pelas compridas e pesadas perneiras de couro com guarnições metálicas presas às pernas, utilizadas em campanha em virtude das características do terreno no campo de batalha, quase sempre em associação às condições climáticas e meteorológicas adversas. Vem daí o apelido Boi de Botas!
Assiste-se a seguir a uma demonstração de ordem unida sem comando, com execução perfeita, mais uma comprovação da qualidade do soldado brasileiro, quase sempre recruta, mas que, com pouco tempo de quartel, instruído por competentes e dedicados oficiais e sargentos, ombreia-se aos melhores soldados profissionais do mundo.
O desfile hipomóvel e motorizado transcorre como se entrássemos numa máquina do tempo. Do canhão La Hitte da Campanha da Cisplatina ao obuseiro autopropulsado 155 viajamos no tempo em que a ordem de pegar a palamenta pode ser executada com maior ou menor dificuldade para o artilheiro servente de peça. Haja reminiscências!
Findo o desfile, quando todos achavam que a cerimônia militar estava encerrada, eis que mais emoções e surpresas estavam reservadas. Reuniram-se os participantes da atividade, envergando os variados uniformes, e unidos ombro a ombro marcham em direção à plateia. À frente da tropa, o oficial que representava Mallet declamava o poema " Se ", repetido por todos, incluindo a assistência. Era o "grand finale" do emocionante espetáculo ali representado naquela noite.
A corretíssima confraternização social que se seguiu teve seus momentos de tradição e cultura, como o brinde com água nas taças; e emocionantes encontros e reencontros de antigos camaradas, como aquele que reuniu algumas gerações de instrutores e alunos do Curso de Artilharia da AMAN no início dos anos 80 do século passado. Em torno do General Muniz, instrutor-chefe do curso, reuniram-se antigos instrutores, oficiais do gabarito de Ururahy, Emílio, Minussi, Vaz da Silva, Prisco, Mourão e Cabral, além deste que vos escreve (desculpe se esqueci alguém) e muitos dos cadetes de então, alguns, já na reserva, outros, oficiais-generais da ativa, dando continuidade aos valores e tradições que lhes foram transmitidos nos bancos escolares das salas de aula do parque de material, nas escolas de fogo da Barragem, nos inúmeros exercícios de reconhecimento e ocupação de posição no campo de instrução. O Exército de ontem, de hoje e de sempre!
O sistema do apoio de fogo proporcionado pela artilharia é relativamente simples e imutável com os tempos. Ele pode ser desmembrado em subsistemas desde a identificação e aquisição dos alvos a serem batidos, sua correta localização, a transmissão dos dados, os cálculos necessários a neutralizar a ameaça, qual a maneira mais eficaz e eficiente de fazê-lo, a execução do tiro e a avaliação dos danos. A inventividade do ser humano proporcionou a evolução tecnológica da cadeia acima mencionada. A artilharia brasileira nunca esteve atualizada com o que de mais moderno existia, mas os artilheiros sempre foram suficientemente capazes de estudar a teoria que move esta engrenagem de forma a, quando necessário, adaptar-se ao material recebido e cumprir a missão.
A transmissão destes conceitos, alicerçados no sadio ambiente de camaradagem e amizade cultuados no dia a dia das nossas unidades e das nossas atividades, valores e tradições característicos da profissão militar, é uma missão que cabe a todos nós, diariamente. Reuniões, como a proporcionada pelo Regimento Mallet, na figura do seu comandante, Ten Cel Carlos Marcelo, e seus comandados estimulam todos nós. Parabéns!
Missão cumprida!
O texto acima foi escrito no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 2015, pelo Coronel Reformado da Arma de Artilharia do Exército Brasileiro Marco Antonio Esteves Balbi da Turma Jubileu de Prata - 1969. Instrutor do Curso de Artilharia da Academia Militar das Agulhas Negras nos anos de 1979/1980/1981, os dois primeiros sob o comando do então Major José Evandro Sombra e no ano de 1981 sob o comando do então Ten Cel Luiz Seldon da Silva Muniz.
Este texto foi revisado e aprimorado pelo meu chefe e amigo General de Divisão Ulisses Lisboa Perazzo Lannes a quem agradeço.{jcomments on}