OS ENIGMÁTICOS CAVALARIANOS

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Decifra-me ou devoro-te, reza a lenda da esfinge que estrangulou pencas de incautos até Édipo desmoralizar o famoso enigma.Acontecimentos e observações recentes fize­ram-me evocar esmaecidas lembranças da mitologia grega cultuadas desde os idos das calças curtas, entre o Rio Comprido, a Tijuca e o Estácio dos meus verdes anos. 

     Hoje, ao acessar o sítio da Turma – www.tummm72.com.br – tive a estonteante  oportunidade de ler honrosos comentários sobre Um Homem de Verdade, palavrório que perpetrei atendendo a pleitos singelos dos eminentes Dr Boita B e Dr Lobo Moneró, na passada assembleia festiva da Praia Vermelha.

   Há meses abandonara as intimoratas teclas, imergido em autoflagelo existencial após severa autocrítica, onde reconheci as incríveis limitações oceânicas da minha pena exe­crável. Recolhido ao cafofo insustentável do Babilônia-Urubú, ratifiquei o óbvio: ja­mais, nesta encarnação terrena, nem de longe aportarei às barras literárias de um Ivan Coquinho, de um Ivo Salvanyus, de um bardo Cléo ou de um Simões Júnior, mesmo in­gerindo doses cavalares de viagras neuronais.  Mal ilustrando, seria como discutir cálcu­lo integral com o Pereira; superar o Ferreira, o Castro ou o Theóphilo no gagá; derrotar o Benzi ou o Cap Garance nas carrières; aventurar-se no éter celestial como o Ayrtinho; nadar como o Noguti; derrubar o Araki no tatame; cansar o ironman Pimentel; calar o falador Ismael; dividir as carrapetas acadêmicas com o Dal Bello; vencer o Rabuka no xadrez; jogar vôlei como o Micelli; igualar o charme sedutor do Renatinho, do Boschet­ti, do Pimpim e do Baci somados; atirar como o Breide, conhecer MPB como o Marcos, e tarefas similares equiparáveis aos trabalhos de Hércules. Em hipótese otimista, via es­forço inaudito, percebo-me apenas abordando noções rastaqueras de física quântica com o douto Patinho ou operações aeroterrestres, na Amazônia,com o mestre Félix.         

   Reconhecidas incontornáveis restrições pessoais, o que restaria a fazer nesta vida? Nada, diria o cartesiano racional; quase nada, o cético assumido; tudo, o otimista incor­rigível. Escorado nos apelos informais do Boita e do Lobão, aliados às observações ge­nerosas do Simões Júnior e do Velho Brito, recobrei a coragem para expedir bizarrices virtuais. Vejam o que o talentoso literato Simões mandou ver no site da Tu MMM/72:

 “Grande amigo Nilo,

   Ao acessar a nossa HP e ler a sua crônica, não pude deixar de agradecer a Deus por privar da sua amizade. Você está se superando. A cada intervenção sua, tento separar o cavalariano puro, audaz e determinado, do escritor culto e homem das artes. O que aconteceu no período compreendido entre o término do curso da AMAN e o atual cargo de PTTC?

   A evolução natural e a reprimida carreira castrense podem explicar. A necessidade de seguir princípios consagrados na lide verde oliva impedem que os talentos naturais pos­sam ser descobertos. Na baia não se fala de poesia. Entretanto, não se pode impedir que, entre uma alfafa e capim, possa o tratador ler a opinião de críticos de cinema. Basta o folheto estar a sua frente. Nilo, prossiga com a sua pena encantada e nos encha de ale­gria a cada intervenção na HP da Turma MMM. Abraços fraternos, Simões Junior”.

    Caraca... comentaria típico adolescente atual. Caramba, velho Simões, a taquicardia obrigou-me a buscar a drogaria da esquina para redobrar minha dosagem habitual de tranquilizantes diários. Num texto de expressiva concisão, você alinhavou ideias à for­mulação de estudos sociológicos abrangendo variados temas: amizade desinteressada, perfil social, careira militar, aptidões individuais versus exigências profissionais, poesia e outros. Reanimado, data vênia  aproveito para breves considera­ções sobre a peculiar estirpe da Arma Ligeira.

   Pulsa poesia nas baias, acreditem, apesar de rótulos consagrados enevoarem as percep­ções genéricas. Raras atividades, neste mundo, superam o lirismo agridoce captável no frenesi da cavalhada inquieta pressentindo a hora da forragem, no tilintar de esporas das cavalariças apressadas a distribuir o milho, a alfafa e o capim, na estrumeira e no cheiro visceral do estrume, na reposição de água nos cochos, na limpeza e na ferragem da ca­valhada, no entrechoque das correntes liberadas aos animais a serem conduzidos à in­vernada, ao campo ou à equitação, e inúmeras referências que enriquecem a memória afetiva dos discípulos de Osório. Captar as minudências poéticas das baias ajuda a tentar decifrar a enigmática alma dita heroica e forte.

   Embora simples, sem ser banal, o espírito cavalariano está repleto de sutilezas. Quem se deixar influenciar por clichês, ou juízos apressados, certamente incorrerá em graves equívocos, até porque os cavalarianos são os principais veiculadores de estereótipos so­bre sua própria identidade grupal. Sem se levarem a sério demais, adoram reforçar a imagem de broncos, pouco inteligentes, primitivos, redivivos selvagens mongóis das hordas de Gengis-Khan. Cultivam entidades como a 3C para apregoar certo encanta­mento maldito da liberdade transgressora, a rigor validada em muitas situações de con­duta funcional da Arma, na transposição de um obstáculo massudo na pista de saltos, no reconhecimento isolado ou nas missões de segurança coletiva.

   Acautelem-se ao confiarem demasiado nas exteriorizações do etos cavalariano, vez por outra enganosas. O combatente das lanças cruzadas, adestrado à busca do contato inimigo, opera com a silhueta baixa e protegida, sem fornecer indícios excessivos dele mesmo para melhor sobreviver no TO. Há, de fato, cavalarianos ilustres integrando to­das as Armas, Quadros e Serviços, mesmo na geleia geral planetária os identificamos, a confirmar o imperecível lema: Cavalaria, mais que uma Arma, um estado d`alma. 

    Estimado amigo Simões

    Os cavalarianos são eternos rapazes idealistas, com resquícios quixotescos de perso­nalidade.  Perseguem da glória dos pequenos feitos aos que elevam, honram e consolam a existência humana. Arriscando-se tendem a ser impulsivos, tornando-se mais suscetí­veis a erros do que a maioria dos mortais. Delinear-lhes o perfil exige sensibilidade refi­nada para captar nuances tipo o agridoce lirismo das baias. Às vezes, inconscientemente justificando os enigmas de sua natureza atípica, cometem absurdos incompreensíveis ao senso comum, mas na essência são tutti buona gente.  

    Adaptando oportuna orientação sua, há pouco interrompi a higienização anual do meu cafofo residencial e, submerso entre pilhas de antigas Cahiers du Cinema, Downbeat e Senhor, LPs, CDs, e DVDs, ao projetar o primeiro surpreendeu-me confissão do saudo­so poeta Vinícius. Segundo ele, se ressurreto fosse gostaria de - assim digamos para não ofender o casto Dr  Boita B -  possuir  protuberância peniana mais avantajada para de­leite próprio, de senhoras e donzelas amigas.

    Prevendo o risco de encontrar algum Walber G desmancha-prazer  para humilhar-me no quesito grado ao poetinha da bossa nova, registro aqui vontade prioritária a ser consu­mada se outra esfera existencial houver após o encerramento desta:  reincorporar no glo­rioso Esquadrão de Cavalaria/72, mesmo novamente sendo obrigado a aturar o mau hu­mor matinal do Paca,os resuminhos do Babau e as orações do Frafri antecipando o co­mando de “- rancho à vontade!” .



Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2014

Dom Obá III, cabo das baias, alterego não-autorizado do Cad Cav 1039/69-72 Nilo.{jcomments on}