RESSUSCITARÃO OS BONIFÁCIOS?

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Bonifácio, paradigma clássico do patriota, servidor público exemplar, atrelava a existência aos destinos da Pátria. Zeloso perante as obrigações funcionais, sexta-feira passada resolveu comparecer à repartição no ponto facultativo. Cedo, ao sair de casa sorrateiro, deixara a patroa entregue a Morfeu debaixo das cobertas, evitando críticas recorrentes ao ardor cívico que o tipifica desde tenra idade, acentuado por dois anos de serviço militar irretocável no 2º Esquadrão de Fuzileiros do tradicional Regimento Andrade Neves, em 1980-81, na QMG/002 - QMP/001, Cabo de Cavalaria Hipo. Do Exército mantém boas recordações, sobretudo certas excentricidades dos exercícios no terreno e da “hora do pato” com o Capitão, figura singular que até hoje lhe evoca momentos inesquecíveis na caserna.

O rápido deslocamento no ônibus vazio, as ruas libertas do habitual burburinho infernal do trânsito, o dia ensolarado, a aparente descontração das pessoas, tudo elevava a autoestima do personagem a níveis estratosféricos, reiterando suas melhores expectativas de cidadão. Afinal, pensava, a tão decantada mobilidade urbana antecedera as previsões mais otimistas, a população escancarava felicidade e se orgulhava do torrão natal. Ansiava logo adentrar o prédio do ministério, onde colocaria em dia o serviço, desafogando-o de processos que há meses se acumulavam no interior de um velho armário enferrujado.

Vencer inesperado bloqueio formado por cones, cavalos de frisa, alambrados e obstáculos diversos representaria apenas provação inicial imposta ao nosso herói para exercer o suposto direito de trabalhar exclusivamente segundo o livre arbítrio. Quase ofegante, aproximou-se esperançoso do portão principal envolto por grossas correntes enlaçadas em enorme cadeado, evidência irrefutável do fechamento da repartição. Decidiu então aguardar, talvez alguém conhecido pudesse facilitar-lhe o simples intento de dirigir-se à sua sala.

E Bonifácio esperou. Na verdade menos de cinco minutos, tempo suficiente para a abordagem pouco amistosa de um corpulento segurança incomodado com a presença dele no local. Sucedeu-se inenarrável debate metafísico do funcionário vibrante versus o troglodita padrão MMA. Este, impassível na visão reducionista do “ponto faltativo”, expressão veiculada por douto confrade certamente já incorporado à geleia geral do conformismo interesseiro, tornava estéreis as tentativas do barnabé para legitimar a alternativa a ele concedida de comparecer, ou não, à repartição naquele dia. Vencido pelo argumento da força, Bonifácio capitulou em meia-volta célere ao recesso caseiro, para lá aumentar a frustração ao ver-se sozinho, pois a família inteira trocara a mansidão doméstica pela praia apinhada de gente.

Pois bem. Até os faraós deitados nas suas tumbas esplêndidas souberam do recente adiamento da reunião da Turma. Ao arrepio da data pétrea, primeira sexta do mês, mandatários apressados desprezaram-na atendendo a pretextos comezinhos. Em ato de puro casuísmo monocrático decretou-se o apagamento circunstancial de tradição quase tão consagrada quanto os sarcófagos milenares. E mais: alguns confrades, assumindo personas insuspeitas de autênticos janízaros sociais igualaram-me a verdadeiro Bonifácio castrense, ora amargurado diante da transgressão a valores que julgava intangíveis.

Do poderoso grão-vizir da Nação72/RJ, brother estimado, recebi o comentário irônico de ser “nem assim tão assíduo às memoráveis tardes no CMPV”, equiparando-me a trânsfuga da ambiência espiritual do Portal Mágico. Quanta injustiça, não avaliasse o eminente dirigente a dimensão da minha angústia a cada falta inevitável!

Na linha de frente do torpedeamento psicológico a este humilde sexagenário, outros dois confrades diletos insistem na comprovação de minha presença solitária no mezanino superior do Círculo em dois de maio, formalizando atitude que erroneamente interpretaram como sendo de protesto. Esclareço aos amigos distintos ter conseguido desfazer a tempo os convites a confrades distantes para lá comparecerem, daí ter-me desobrigado do deslocamento à Praia Vermelha. Além disso, caro jurista do Moneró, eu seria incapaz de produzir qualquer tipo de selfie ou modismos afins.

Quando começava a melhor entender, sem justificá-los, os motivos da transferência do convescote mensal da TuMMM, acabo de ser abalroado por um RCC: anteciparam para amanhã, nove de maio, as comemorações do Dia da Cavalaria no sítio sagrado do RAN.

O tempora! O mores! O velho Cícero, se hoje renascido, teria infindáveis argumentos para constatar a atualidade de sua imorredoura expressão, pois nada resiste à apavorante funcionalidade da existência moderna, vizinha da ociosidade improdutiva. Ninguém mais admite abdicar de uma fração infinitesimal sequer de seus pretensos direitos individuais em prol do bem coletivo, nem mesmo ao legendário Osório se permite a gentileza póstuma de ser lembrado com pompa e circunstância na data do seu natalício. Talvez porque no sábado, dez de maio, tal qual na canção de Vinícius, cada um de seus discípulos pretenda realizar ação meritória de insuperável significado para a humanidade...

Vivemos a derrocada final dos idealistas, os bonifácios de antanho são espécime em acelerado processo de extinção. Na escolha de Sofia de ir ao Dia da Cavalaria ou à reunião da Turma, em datas subjugadas a servidões casuísticas, meu coração balança desencantado. Rareiam os sonhadores, triunfa o estilo octógono UFC de viver.

Dedico esta croniqueta, por banal que seja, todavia prenhe de sinceridade, aos meus queridos alas do imortal Esquadrão72, os veneráveis Dom Micelli e Dom Salvanyus, únicos solidários comigo nesta jihad afetiva. Eles atestam minhas esperanças de que os idealistas-bonifácios vergam mas não se rendem, e num futuro próximo ressuscitarão em maioria no tablado da vida.

Tenho certeza de que na manhã de sábado, alvorecendo dez de maio, ecoará a plenos pulmões na sonoridade etérea da trajetória divinal Nova Trento- Rio- Fortaleza a estrela-guia da canção sublime que tão emotivos evocamos em nossas mentes e corações:

“Arma Ligeira que transpõe os montes, caudais profundos com ardor e glória...”

VIVA O 10 DE MAIO! SALVE OSÓRIO!

À CAVALARIA... HIP!... RÁ! HIP!... RÁ! HIP!... RÁ!

Rio de Janeiro, 08 de maio de 2014.

NPM Obá. Cad 1039/72, Esquadrão de Cavalaria. Para sempre.{jcomments on}