Quase um Cadete!

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Em março de 1968, pedi desligamento da EsPCEx. Em março de 1969, durante alguns dias, estive em forma na AMAN com os civis que nela ingressariam. Por que? Nasci em 1950, no interior do Rio Grande do Sul, numa cidade sem televisão. Nela vivi até os 15 anos. Somente aos domingos freqüentava as sessões da tarde dos cinemas. Os filmes eram predominantemente do gênero aventura: capa e espada, bang-bangs, guerra etc.

Em 1966, fui direto para a EsPCEx. Estava órfão de pai há sete anos. Antes de sua morte, ocorrida em 1958, dois irmãos dele já haviam falecido. Seu único irmão sobrevivente era um major de artilharia que serviu muitos anos em Santa Maria–RS. Em todos os verões eu passava alguns dias na casa desse tio, que foi, com certeza, um modelo de homem para mim. Quando eu era aluno na EsPCEx, desejava Engenharia na AMAN, mas, caso não conseguisse, tinha convicção absoluta que “piruaria” Artilharia. Na Escola Preparatória de Campinas, EsPC, que virou EsPCEx em 1967, tive vários pequenos problemas disciplinares. Creio que havia os comportamentos bom, regular e mau, antes do desligamento. O comportamento bom não foi o meu favorito, mesmo sem ter cometido qualquer infração grave, acho. Fiz somente bobagens. Eram os anos 60. Lá fora havia cabelos compridos e toda aquela “conversalhada” de liberdade. Como era considerado indisciplinado, comecei a pensar que talvez não serviria para ser militar e que, se insistisse, poderia ser expulso do glorioso EB durante a carreira, apenas por pequenas coisas ditas ou feitas. Essas dúvidas permearam meu ano de 1967. Além disso, eu era da famigerada turma B-4. Em janeiro de 1968, o Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, ainda era muito bom. Estava na sua Secretaria, efetivando minha matrícula, porém desisti e resolvi voltar para a EsPCEx. Na escola que venceu, em março, eu era um veterano do terceiro ano. Que glória! O grande sonho da minha época de bicho! Não me recordo se, assim que cheguei, alguma babaquice minha proporcionou-me alguma punição, mas, após uma semana de “novos” pensares profundos, pedi meu desligamento, evidentemente sem estar 100% convicto. Durante 1968, minha dúvida foi qual profissão civil escolher. Como era bom em Matemática, me sugeriram Engenharia. Disseram-me para fazer vestibular também para o curso de Matemática. Assim, caso não passasse na Engenharia, não rodaria no Vestibular. Ingressar na Engenharia da UFRGS, na época, era considerado bastante difícil: havia cerca de cinco candidatos por vaga. Hoje isso soa como uma piada. Minha única vontade era, de fato, ser militar. Fiz vestibular também para a AMAN. Em 1969, aproximadamente 60 candidatos civis de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul fizeram as provas em Porto Alegre. Apenas dois foram aprovados nas provas de escolaridade e de aptidão física. Fui um deles. Depois houve, na AMAN, a prova psicotécnica. Os reprovados fariam uma segunda, ainda na AMAN. No caso de nova reprovação, fariam uma terceira, em grau de recurso, acho que no QG do Rio de Janeiro. Havia cursado o terceiro ano num colégio público, civil. No primeiro psicotécnico soltei-me. Não fui um cauteloso e prudente militar. Fui até um pouco irônico, porque os testes foram muito semelhantes, senão iguais, àqueles que havia feito há três anos para ingressar na Preparatória. Estava certo de que me considerariam apto, que o Exército não desperdiçaria um dos dois únicos aprovados civis do Sul. Foi uma certeza errada. Após a prova, houve uma semana de folga, exatamente aquela na qual foi realizado o vestibular para a Engenharia da UFRGS. Sem necessidade, fui a Porto Alegre fazê-lo, talvez para ficar uma semana com a família, pois viriam quatro anos na Academia. Além da AMAN, já estava aprovado e classificado no vestibular para o curso de Matemática na UFRGS. Naquela época não havia o Vestibular Unificado na UFRGS. Cada curso tinha o seu vestibular, feito pelos seus próprios professores. Quando voltei para a AMAN, as cruéis notícias: tinha tomado pau no Psicotécnico 1 e o Psicotécnico 2 havia sido feito na semana que estive em Porto Alegre. “Está bem! Quero fazer o que é em grau de recurso.” A resposta: “Não dá! Esse é somente para quem fez o dois.” Não fiquei radiante de felicidade. Ficava num andar bem alto o setor da AMAN onde fui com as intenções de argumentar, explicar e choramingar. Recebi um colossal chá de banco. Era uma tarde quente e ensolarada de fevereiro de 1969, ou março. Engolia o chá de banco avistando amplamente uma boa parte da AMAN por uma janela do corredor quando vi, ao meu lado, atormentando-me outra vez, o “Fantasma da Paisanaria”. Atuou categoricamente, com toda a experiência que adquiriu em suas inúmeras apresentações como fantasma do pai de Hamlet. Não esperei o chá findar. Comuniquei ao praça que não precisava mais ser recebido. Fui aprovado e classificado também na Engenharia. Na primeira matrícula fui pego de surpresa e tive que escolher o curso. Sem referência alguma, escolhi Engenharia Mecânica. Em paralelo, cursei também Matemática. Fazendo os dois cursos sobrava pouco tempo para viver. Em março de 1971, ao iniciar o terceiro ano de ambos, decidi que deveria seguir somente num deles e, depois de formado, ter somente uma profissão. Com duas profissões sobraria pouco tempo para viver. Após outro processo decisório, cancelei Engenharia Mecânica e graduei-me simultaneamente Bacharel e Licenciado em Matemática, em dezembro de 1972. Esse é o começo de outra história. Muitas vezes, ao longo da vida, sonhei que havia voltado para o terceiro ano da EsPCEx. Algumas vezes sonhei que era oficial do Exército. (Estou me referindo aos sonhos que se tem dormindo, aqueles que dizem ser “desejos do subconsciente”).  Vargas  (Prep){jcomments on}