Causos da Turma
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- Criado: Sábado, 25 Junho 2011 15:12
- Última Atualização: Quinta, 21 Abril 2016 14:09
- 25 Jun
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O CADETE e o cheque!
Eram tempos de espera e ansiedade. Aproximava-se o Dia da Festa da Espada e os integrantes da garbosa Turma Marechal Mascarenhas de Morais não cabiam em si de orgulho e sentimento de dever cumprido. As rotineiras e cansativas entradas no PTM para afiar os cadetes no treinamento para a festa, o portar a espada de oficial do Exército Brasileiro, o experimentar diário dos novos uniformes que envergaríamos como aspirantes, a organizada passeata após o jantar, com os fuscas zero bala pelas ruas de Resende, as notícias sobre a viagem dos pais, namoradas e madrinhas em direção a AMAN e, para não fugir a regra, o famoso coral alertando a bicharada, calourada e afins que faltavam quatro dias para o aspirantado, tudo fazia parte desses momentos inesquecíveis, nossos últimos dias como cadete.
Além das preocupações normais com a nova etapa na vida profissional, eu tinha uma importante atividade dias após receber a estrela de aspirante: meu casamento com a Clara. Após quatro anos de namoro e noivado, avaliei que era interessante aproveitar a presença de minha mãe (meu pai falecera), irmãos e parentes em Resende para me casar. Estava classificado em Goiânia (GO) e pretendia, após os dois anos de serviço na unidade, tentar uma transferência para o Batalhão de Polícia do Exército de Brasília. Dessa forma, o princípio da oportunidade tinha que ser aproveitado.
Avaliei que precisaria dispor de uma quantia a mais do que fui provido em recursos financeiros pela conclusão do curso, para somar aquilo que receberia de presentes de casamento. Resolvi solicitar um empréstimo de Cr$ 9.000,00 (nove mil cruzeiros) na CAPEMI. A entidade tinha realizado uma palestra na AMAN sobre a necessidade de o militar possuir um seguro de vida e oferecia a oportunidade do futuro aspirante dispor dessa citada quantia como empréstimo consignável.
Acredito que o fato tenha acontecido na quinta-feira antes do dia da Entrega da Espada. O recebimento dos cheques do empréstimo da CAPEMI se fazia por ordem alfabética nas dependências da SAM, ali ao lado do CC. Esperei com muita calma, já que meu nome é Valter. No momento da entrega do cheque, lembro-me que, entre outros estava na fila o Walber Guerreiro, do Curso de Infantaria. Aproximei-me e o representante da CAPEMI, trajando um terno preto, entregou-me um cheque no valor de oito mil e novecentos e vinte e poucos cruzeiros.
Recusei-me a assinar o recebimento do dito cheque, argumentado que o valor correto era nove mil cruzeiros. O cidadão disse: aspirante, existem descontos de taxa de seguro, risco saúde, queda da bolsa de New York, vitória do Flamengo, eleição do “cacareco” e outras pendências normais do mundo financeiro. Esse procedimento está correto e é praticado com todos os que solicitam empréstimo. Não se preocupe, está tudo correto.
Havia, na sala da SAM, um cartaz da CAPEMI fazendo referência à possibilidade do empréstimo, bem elaborado e ostentava, em destaque, o valor de nove mil cruzeiros. Acho que era o limite que nós, os aspirantes, podíamos receber, dentro de uma margem consignável. Apontei para a propaganda da CAPEMI e disse: entendo que o valor que eu solicitei é o que se encontra ressaltado neste cartaz da sua empresa. Ali, não explica nada sobre descontos.
Encontrava-se presente no local, outro cidadão de terno, aparentando ter uns sessenta e poucos anos de idade. Virou-se o meu interlocutor e disse: general, o cadete recusa-se a receber o cheque. Pronto. Levei uma enquadrada. Antes era aspirante, agora voltei a ser cadete e estava criando problema ao desenrolar da atividade. A idéia de dispor dessa importância para o casamento sofria o primeiro abalo. Pensei em desistir, não do casamento. Entretanto, eu estava correto. Segui em frente.
O general, muito educado, tornou a me explicar as razões para que a CAPEMI realizasse aquele procedimento rotineiro de abater do montante solicitado os descontos obrigatórios. Eu, na posição de sentido, escutava e, como resposta, apontava o cartaz. Mantive a posição e estava decidido: recebia o que tinha solicitado ou não haveria empréstimo. Nesse momento, o Walber manifestou-se afirmando que estava solidário comigo e não receberia o cheque com descontos. Momento de tensão.
A experiência do general, chefe militar, valeu nessa hora. Ele disse: cadete, acho que não agimos com a transparência que se faz necessário em transações como esta. Vocês deviam ser informados de tudo, inclusive os descontos obrigatórios. Vou comunicar a direção da CAPEMI o fato e gostaria que você comparecesse na sede da instituição na segunda-feira, pois é o dia de reunião da diretoria e seu caso, fatalmente, será avaliado. Despedimo-nos, com a promessa de novo encontro no dia aprazado.
Na segunda-feira, após a missa e o baile, compareci a sede da CAPEMI. Se não me engano, fica na rua Sete de Setembro, no centro do Rio de Janeiro. Lá, fui recebido pela secretária da direção da CAPEMI e, pouco tempo depois, o general surgiu na sala e entregou-me um cheque nominal no valor de Cr$ 9.000,00. Emocionado, ele disse: a direção da CAPEMI reconhece que precisa modificar o relacionamento com a AMAN, no tocante a empréstimos destinados aos aspirantes. Decidiu, ainda, devolver a todos os aspirantes, seus colegas, que foram penalizados com os descontos obrigatórios, a importância recolhida à maior. Pretende, também, alterar a palestra ministrada para os futuros aspirantes, de maneira a permitir um esclarecimento amplo e transparente a respeito da transação com empréstimos financeiros. Finalmente, concluiu: os cartazes serão recolhidos e passarão por aperfeiçoamentos.
Saí com um sorriso de vitória estampado na face. Venceu a ousadia do cadete. O valor descontado no empréstimo foi ressarcido pela CAPEMI para todos que o realizaram, conforme pude averiguar com os companheiros do 36º BIMtz. Não posso afirmar se, a época, um documento da CAPEMI informou a decisão de devolver os descontos. Provavelmente, não. O INFORMEX não circulava. Alguns nem perceberam a devolução. Aspirante da MMM não se preocupava com contracheque. Se o líquido estava próximo daquilo depositado no mês anterior, nada a reclamar.
Ao relembrar este “causo’, fiz questão de consultar a pasta com as minhas alterações. Nela está escrito e transcrevo: “CONSIGNAÇÃO – AVERBAÇÃO: Em 2 Jan, foi público ter sido mandado averbar nos seus vencimentos, em favos da CAPEMI, as importâncias de Cr$ 40,00 e Cr$ 381,00 a partir de fev 73, referente a pecúlio e empréstimo, respectivamente ( pecúlio: sem prazo e empréstimo por 24 meses).
Entendo, agora, que aquele general deveria se tornar o patrono do atual PROCON. Ele percebeu a cerca de trinta e sete anos atrás, que aquilo era uma propaganda enganosa. Era um homem a frente do seu tempo.
Simões Junior – Cadete Nr 1247- C Inf.{jcomments on}